Um Plano (QUASE) Infalível

 

Um Plano Quase InfalívelOlavo precisava de dinheiro.

Ou melhor, Olavo gostava - e muito - de dinheiro.

E de preferência, 'grana fácil'. Nunca foi muito fã de trabalho.

Boêmio, costumava dormir tarde e acordar ao meio-dia. Seu café-da-manhã era uma caixa de cerveja e um maço de cigarros.

Passava o dia pensando em como ganhar um 'din din' sem muito esforço.

Um belo dia, Olavo teve uma ideia 'brilhante': dar um golpe na seguradora de seu carro!

Seu Nissan Versa, ano 2012, estava muito rodado, mas ainda assim valia algo em torno de R$ 30 mil.

Olavo ligou então para César - seu cunhado e parceiro de serviços não lá muito 'católicos' - e fez a seguinte oferta:

- César, meu rei, que tal vc me pagar apenas R$ 5 mil por meu carro - que vale R$ 30 mil? Daí ele é todo seu! Duas únicas condições: não conte para ninguém sobre esse nosso negócio e só use esse carro em seu sítio. Esse veículo nunca poderá ser visto por ninguém. Entendeu, meu brother?

- Opa! Exclamou César - já sacando que se tratava de uma fraude contra a seguradora.

Negócio fechado, César pagou os R$ 5 mil a Olavo e levou sua nova aquisição para seu sítio em Mairiporã.

No dia seguinte, Olavo foi à Delegacia, onde foi feito o B.O. pelo 'roubo' de seu veículo.

Por ser muito criativo, o B.O. de Olavo continha diversos detalhes do 'roubo' - tais como a quantidade de ladrões, as armas que usavam, etc.

Com o B.O. em mãos, Olavo acionou seu corretor de seguros, que, por sua vez, deu entrada na abertura do sinistro junto à Seguradora 'Portinho Feliz'.

Segundo o corretor de Olavo, não havendo imprevistos, em torno de 25 dias o dinheiro da indenização estaria na conta bancária de seu cliente.

Pois bem.

Olavo, literalmente, 'fez a festa'. Já gastando por conta, convidou amigos e fez a alegria de todos com o churrasco do ano. Teve até banda de pagode.

Afinal, dinheiro não seria problema, pois muito em breve 30 mil reais pingariam em seu bolso.
Ledo engano.

Não sabia Olavo que as seguradoras estão cada vez mais preparadas contra as diversas formas de fraude das quais são alvo.

Logo no início da regulação do sinistro (procedimento necessário para analisar os documentos e se apurar as circunstâncias do evento - no caso, o suposto 'roubo' de carro), o profissional responsável pela regulação percebeu inúmeras inconsistências entre o que constava no B.O. e os fatos que identificou nos arredores do local onde teria ocorrido o suposto roubo do veículo.

As investigações foram então se aprofundando, dia a dia.

No vigésimo dia após a abertura do sinistro, descobriu o regulador que o Nissan Versa de Olavo havia passado no pedágio de Mairiporã exata e precisamente no mesmíssimo horário em que (segundo constava no B.O.) que teria ocorrido o roubo - o que seria impossível, pois a distância entre os dois pontos era de mais de 120 Km.

Aí, foi apenas questão de tempo para localizarem o veículo no sítio de César e descobrirem que este era cunhado de Olavo.

Resultado: Olavo não só jamais recebeu a indenização, como foi indiciado pelos crimes de tentativa de estelionato (Art. 171, § 2º, V, do Código Penal) e de falsa comunicação de crime - por sua quase exitosa fraude contra o seguro.

César foi indiciado como cúmplice de Olavo e atualmente também responde criminalmente pelos ilícitos dos quais fez parte.

O próximo churrasco de Olavo (e César) provavelmente será atrás das grades.

...

Quando o assunto é Seguros, não é apenas o Código Penal que regula e condena as condutas ilícitas cometidas por fraudadores que atuam no mercado securitário.

No âmbito cível, o próprio Código Civil trás dispositivos legais específicos sobre o tema, deixando claro que não receberão nenhuma indenização aqueles que faltarem com a boa-fé e/ou tentarem se enriquecer ilicitamente às custas das seguradoras.

Nesse sentido, destaque especial para os Artigos 762, 766 e 768 do referido CODEX:

'Art. 762. Nulo será o contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro.'

'Art. 766. Se o segurado, por si ou por seu representante, fizer declarações inexatas ou omitir circunstâncias que possam influir na aceitação da proposta ou na taxa do prêmio, perderá o direito à garantia, além de ficar obrigado ao prêmio vencido.'

'Art. 768. O segurado perderá o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato.'

Infelizmente, no Brasil as fraudes - ou tentativas de - contras as seguradoras não são raras.

E todo setor sofre com as consequências dessa triste realidade.

Inclusive os próprios segurados, pois obviamente há um (alto) custo - por partes das seguradoras - no investimento em segurança e tecnologia para o combate às fraudes, custo este que é repassado ao consumidor final.

E praticamente nenhum ramo do seguro no Brasil está imune a tentativas de golpes. Quase todos os setores são atingidos pelos fraudadores, dentre os quais: Automóvel (em torno de 70% do volume de fraudes ocorrem em seguros Auto); cerca de 40% das fraudes cometidas pelo segurado/beneficiário (no ramo Saúde/Vida), 25% cometidas por prestadores de serviços, em torno de 15% por corretores e o restante dividido entre funcionários e outros (Fontes: Fenaseg e pesquisas do Autor).

O mais importante - e o que se deseja - é que toda a gama de segurados (sejam pessoas físicas ou jurídicas) adote e pratique sempre, sem exceção, a cultura da boa-fé contratual - prestando, tanto no ato da contratação do seguro, como durante a vigência da apólice, e, ao final, na conclusão do contrato, informações verídicas e precisas sobre si e sobre o bem segurado. Assim fazendo, todos sairão ganhando - e, caso o sinistro porventura ocorra, a indenização será paga correta e integralmente.


Pedro Sodré Hollaender
Pedro Sodré Hollaender 
Advogado Sócio do HF Advogados / Membro da AIDA Brasil - Associação Internacional de Direito de Seguros, desde 2005
 
Nascido em 05 de março de 1976, São Paulo, SP. Formação: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Faculdade de Direito (2000). Pós-graduação em Direito Processual Civil pela PUC-SP (2004). Professor Assistente de Direito Civil na PUC-SP (2007/2009). Membro da AIDA BRASIL - Associação Internacional de Direito de Seguro, desde 2005. Eleito pela Revista Análise Advocacia um dos 500 Advogados Mais Admirados do Brasil, figurando em 2º lugar dentre os Advogados Especializados em Seguros. Áreas de atuação: Contencioso cível e empresarial, Direito Securitário e Direito Imobiliário. 

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